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30 de abril de 2011

J A P Ã O

Quando voltei ao Brasil, depois de residir doze anos no Japão, me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo Japonês: kokoro.

Kokoro ou Shin significa coração-mente-essência.

Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar à serviço e disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?

Outra palavra é gaman: aguentar, suportar. Educação para ser capaz de suportar dificuldades e superá-las.

Assim, os eventos de 11 de março, no Nordeste japonês, surpreenderam o mundo de duas maneiras. A primeira pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima. A segunda pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de todas as vítimas. Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma piscina para os banheiros.

Nos abrigos, a surpresa das repórteres norte americanas: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém. Compartilhavam cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens. Cada qual se mantinha em sua área. As crianças não faziam algazarra, não corriam e gritavam, mas se mantinham no espaço que a família havia reservado.

Não furaram as filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando de remédios perdidos – mas esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção médica, alimentos, roupas e escalda pés singelos, com pouquíssima água.

Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.

Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques. Houve a resignação da tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam. Ensinamento de Buda, hoje enraizado na cultura e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.

Sumimasen é outra palavra chave. Desculpe, sinto muito, com licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam desculpas por viver. Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe precisar falar com você, ou tocar à sua porta. Desculpe pela minha dor, pelo minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos causando ao mundo. Sumimasem.

Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus sentimentos, necessidades. Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidadas e respeitadas.O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim, perderei. Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.

Acompanhando as transmissões na TV e na Internet pude pressentir a atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade, sem ofender, sem estarrecer, sem causar pânico. As vítimas encontradas, vivas ou mortas eram gentilmente cobertas pelos grupos de resgate e delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que serviam de hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que os levariam a hospitais.

Análise da situação por especialistas, informações incessantes a toda população pelos oficiais do governo e a noção bem estabelecida de que “somos um só povo e um só país”.

Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi telefonemas. Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me pediram que não cancelasse nossa viagem em Julho próximo.

Aprendemos com essa tragédia o que Buda ensinou há dois mil e quinhentos anos: a vida é transitória, nada é seguro neste mundo, tudo pode ser destruído em um instante e reconstruído novamente.

Reafirmando a Lei da Causalidade podemos perceber como tudo está interligado e que nós humanos não somos e jamais seremos capazes de salvar a Terra. O planeta tem seu próprio movimento e vida. Estamos na superfície, na casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não tem a ver com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos. O que podemos fazer é cuidar da pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos. E isso já é uma tarefa e tanto.

Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução.

Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de humildade, de respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que acompanharam os eventos que se seguiram a 11 de março.

Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa tristeza em testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a amar e respeitar.

Havia pessoas suas conhecidas na tragédia?, me perguntaram. E só posso dizer : todas. Todas eram e são pessoas de meu conhecimento. Com elas aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência. Aprendi a respeitar meus ancestrais e a linhagem de Budas.

Mãos em prece (gassho)
Monja Coen

Obs.Esse texto recebi por email de Teruko Kanto

16 de abril de 2011

O Japão sofre, mas ensina

Não sei se você se lembra de um anúncio já meio antigo que dizia que "nossos japoneses são melhores do que os outros"? Era de uma multinacional japonesa e tinha uma dupla mensagem: exaltava o avanço tecnológico de que os japoneses tanto se orgulham e a criatividade tapuia, capaz de tornar ainda melhor o que os outros já fazem bem.

A tragédia em curso no Japão me fez pensar em uma inversão desse slogan: dá a sensação de que "os japoneses deles" [do próprio Japão] são melhores do que somos, pelo menos em matéria de prevenção e enfrentamento de catástrofes.

Sheila Smith, pesquisadora do Council on Foreign Relations (EUA) para o Japão, chamava a atenção, na segunda-feira, para a "calma e a dignidade" com que tanto a população como o governo reagiram a um desastre "cuja intensidade não pode ser subestimada", conforme ela própria ressaltava.

De fato, chamo a atenção do leitor para uma foto eloquente, publicada na segunda-feira, na página A12 da "Folha": uma fila de pessoas serpenteava em busca de água em uma escola de Sendai, a cidade mais atingida, seguindo marcas de giz traçadas no chão. O incrível é que ninguém furava a fila, por mais improvisados que tivessem sido os riscos.

No jornal "El País" desta terça-feira, também de Sendai, os enviados especiais Georgina Higueras e José Reinoso espantavam-se com o fato "de que mal houve saques, e nenhum comerciante ou transportador aumentou os preços".

Nesta mesma Folha.com, o brasileiro Ricardo Uehara, há 16 anos no Japão, confirmava que "as pessoas esperam em filas e não ocorrem saques. Nós latinos, sempre nos queixamos de que os japoneses são frios, mas hoje compreendo que esta tranquilidade é muito útil nestes momentos."

Mais: segundo a Tokyo Electric Power, responsável pelo abastecimento energético, disse que os "apagões" que chegaram a ser previstos estão por ora descartados porque o público espontaneamente passou a poupar energia o suficiente.

Preciso lembrar que, no Brasil, após tragédias, mesmo de proporções infinitamente menores, os saques são comuns (em outros países também, é bom que se diga)? Preciso lembrar que, no Brasil, há "apagões" mesmo sem terremotos ou tsunamis?

À reação pós-catástrofe some-se a prevenção. Sheila Smith, a especialista em Japão, do CFR, lembra que a população japonesa está entre as mais bem treinadas e mais bem informadas do mundo sobre a eventualidade de fenômenos naturais.

Depois do terremoto em Kobe, faz 16 anos, a prevenção avançou ainda mais, na medida em que os currículos escolares passaram a incluir informações e treinamento para lidar com situações como a que aconteceu a partir de sexta-feira.

Além disso, os japoneses desenvolveram os chamados "edifícios inteligentes", capazes de resistir a choques como os de um terremoto violento. É bom notar que os grandes estragos foram provocados muito mais pelo tsunami do que pelo terremoto em si.

Prevenção contra tsunamis da força do que atingiu o Japão é ainda uma arte em desenvolvimento. Não funcionou na sexta-feira e talvez seja de fato impossível erguer um muro preventivo capaz de barrar ondas tão altas. Só mesmo afastando a população das costas o máximo possível, o que não é trivial, se se considerar que as cidades vão crescendo sempre, por muito baixo que seja o índice de natalidade.

O curioso é que, em meio aos elogios que se leem em toda parte a respeito do Japão, surja um político relevante para criticar o espírito de seus concidadãos. É o governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, para quem o desastre foi "uma punição dos céus", porque os japoneses se tornaram "gananciosos".

Pode ser, mas o fato é que os danos do terremoto/tsunami, mesmo que as mortes passem de 10 mil, como se começa a supor, serão infinitamente inferiores às 230 mil do grande tsunami de 2004, nas costas da Ásia.

Parece, portanto, que os "japoneses deles" são realmente dignos de estudo, especialmente para um país como o Brasil que lida tão precariamente com catástrofes de dimensões comparativamente bem mais modestas.

Recebi por email da amiga Teruko Kanto