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21 de setembro de 2013

LIXO IMPERIAL


Uma obra do metrô do Rio revelou um aspecto curioso da história do Brasil: o lixo produzido pela família real. Em meio às escavações de uma antiga estação próxima ao palácio imperial foram encontradas aproximadamente 210 mil peças e fragmentos de utensílios, usados pela corte portuguesa dentre os séculos XVI e XIX. Nada de muito precioso, senão o fato de nos oferecer uma ideia do fausto da tal família – como qualquer outra arvorada nos privilégios de mando e poder sobre um povo – em contraposição às carências e pobreza que o lixo do populacho sempre nos revelou.

Só para registro, nossa família real era amante de tigelas européias e chinesas, colheres de prata, pastas dentifrícias acondicionas em caixinhas de porcelana, muitas jóias, perfumes finíssimos e loções francesas, remédios ingleses, água mineral portuguesa engarrafadas exclusivamente “para a família real” e um curioso desodorante com o nome bem aportuguesado: “anticatinga”. Esse derrapou na objetividade! Mas, como bem sabem os estudiosos de qualquer grupo social: pelo lixo se conhece o luxo. Ou, simplificando: o lixo que produzimos revela o que somos!
Dessa forma, fico a imaginar se fosse feito um estudo minucioso do lixo produzido nos palácios brasilienses. Ou nas mansões dos que nos governam, até mesmo a nível municipal. Ou nos condomínios e resorts que fragmentam nossa convivência urbana. Ou mesmo nos muros que separam e delineiam nossas posses, nossas vilas e favelas, nosso quintal das praças ditas públicas, nosso “eu” daqueles semelhantes para os quais tapamos nariz e olhos, desejando fazer uso da anticatinga imperial. Ou daqueles aos quais ateamos fogo ou enterramos vivos pelas mãos dos filhinhos de papais apoiados em surdina e financiados por muitos como saneadores de uma sociedade sórdida, insana, excludente. Do império à república, da escravidão ao proletariado aparentemente protegido por uma CLT, pouco evoluímos, pois o lixo continua o mesmo, senão pior.

Pior quando as peças encontradas são frutos das escavações da consciência que ainda nos resta. O que se pensar do jogo político sempre ao sabor das ondas dos interesses partidários e ou corporativos, nunca populares? Das leis antitrustes, costuradas infindamente com emendas sobre emendas, dos “embargos infringentes” e processos intermináveis quando o réu ou condenado não é um simples mortal da galera de contribuintes? Quando uma decisão da corte suprema se anula num empate técnico (tanto faz cinco a cinco ou zero a zero) e tudo se é entregue ao parecer de um único e decisivo voto de minerva? Justiça realmente cega e muda!

Nada de mais vergonhoso para uma nação que ver sua história escrita sobre o lixo que produz. “Ora, o que se exige dos administradores é que sejam fiéis. A mim pouco se me dá ser julgado por vós ou por tribunal humano”, dizia Paulo aos Coríntios (4,2), que concluía: “Esperai que venha o Senhor. Ele porá às claras o que se acha escondido” (4,5). E, intuitivamente, afirmava no final “Chegamos a ser como que o lixo do mundo, a escória de todos até agora...” Nada a temer quando acima das leis - do lixo humano – que bem sabemos produzir, está a Justiça maior, aquela que bem conhece nossa história pessoal, individual, o palácio mais glorioso que somos, que temos: o reino dentre nós.

Como bem lembrou a voz profética de Samuel: “Levanta do pó o mendigo, do lixo retira o indigente, para fazê-los sentar-se entre os nobres e outorgar-lhe um trono de honra. Porque do Senhor são as colunas da terra. Sobre elas estabeleceu o mundo.” (I Sam 2,8) Sobre essa justiça às vezes dizemos: tarda, mas não falha. Que venha a nós o seu Reino!

WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br




7 de abril de 2013

UMA VELHA E UM CAOLHO

Uma declaração descuidada do presidente uruguaio José Mujica, a respeito de sua colega argentina e seu antecessor e falecido esposo, revoltou a família Kirchner e abalou as relações diplomáticas entre os dois países vizinhos.
Pensou alto o velho Mujica: “Esta velha é pior que o caolho”.
A frase caiu como uma bomba, após vazar por uma página da web, criando um desconforto e um corre-corre de delegações imbuídas em apagar a fogueira de um pensamento vago, até então oculto nos porões do inconsciente (não apenas de um, mas de muitos). No dia seguinte o uruguaio apenas acrescentou: “Nada, nem ninguém, pode apagar nossa história”. Referia-se, é claro, à histórica relação de amizade entre os dois países. Não entre os dois governantes.
Tirando a gafe e as questões preconceituosas da terminologia usada, eis que o incidente é um excelente manancial de reflexões, tanto quanto o é no confronto de muitas verdades ocultas. Há mais sabedoria numa frase impensada do que naquelas construídas sob as arestas de nossos interesses e posições que ocupamos. Pobres aqueles que dizem o que realmente pensam. Ou pensam muito e dizem pouco. O próprio Mujica deixou escapar em seu celebre discurso na Rio+20: “Pobre não é aquele que tem pouco, mas aquele que necessita de muito”. Entre uma frase e outra, uma única verdade: Pobres somos nós, que mantemos nossas “velhas opiniões formadas” sob o clivo do vesgo olhar da opinião alheia. Dizer verdades pode ferir, magoar. Então me calo, me omito.
Esse é o ponto. Quem nunca se omitiu nesse aspecto? Muitas das nossas gafes acabam sendo positivas, pois provocam a verdade e estampam na conduta do outro uma necessidade de rever suas posições, seu comportamento. Apesar do clima de insatisfação e total indignação provocado por opiniões contrárias à nossa, são elas que muitas vezes nos curam de uma cegueira comportamental. Quantos caolhos e cegos ainda guiam outros piores! Quantos ensinam o pai nosso aos vigários – no caso a presidente ensinando ao Papa argentino como usar uma cuia de chimarrão – e não enxergam o ridículo dum ato impensado. Eis então que o subconsciente de uma voz ao lado nos desperta para a realidade, porque nossa verdade não é absoluta.
O pensamento político-social está bem enraizado na mentira. “Uma mentira repetida mil vezes pode soar como verdade”. Esse fundamento assaz contraditório está presente em todo e qualquer veículo publicitário, especialmente aqueles que vendem uma ideologia político-partidária. Em nada difere dos padrões do comportamento social, onde prevalecem as aparências e não a verdade do indivíduo. Enganar as pessoas, com o fim de galgar posições e status, para muitos é sinônimo de esperteza, nunca mentira nua e crua. Dizer verdades, então, é quase um ato de suicídio, que a “velha” cantilena das condutas político-sociais desaconselha sempre. É um dos trunfos de vitórias certas. Se preciso, diga meia verdade... uma verdade caolha. Nunca diga tudo o que sabe ou pensa. Tudo que viu ou vê. Deixe sempre uma carta na manga. Esse é o jogo, o trunfo do sucesso humano. Essa é a verdade que temos vergonha de assumir.

E a verdade cristã? Na simplicidade de seus ensinamentos, a única pergunta deixada sem resposta por parte de Cristo foi exatamente esta: “Afinal, o que é a verdade?”. Seu silêncio e suas atitudes falaram mais alto. Ele mesmo já havia se manifestado como a própria Verdade. Certamente, a cegueira do poder não permitiria a Pilatos a compreensão de qualquer resposta, mesmo que essa viesse da boca de Jesus. Mesmo assim, diante de polêmica semelhante, um dia encurralaram o Mestre com uma questão que lhe poderia causar embaraços com a política vigente: “A quem devemos oferecer nossos tributos?” Qual a verdade de nossa obediência: Deus ou os homens? “A Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus”. Não o surpreenderam em nenhuma mentira, mas, “admirados de sua resposta, calaram-se” Porque a verdade dói.
WAGNER PEDRO MENEZES wagner@meac.com.br