24 de outubro de 2017

24 de outubro 2017- Dia Mundial da Poliomielite

Eu tive pólio com 1 ano em 1963, quando já tinha vacina disponível no Brasil, porém de difícil acesso a quem era mais pobre e morava mais longe de centros grandes ou médios. Naquele ambiente era uma doença que simplesmente "acontecia" e afetava algumas crianças "azaradas". Cada bairro e escola tinha seus "aleijadinhos". 
Cresci como todos crescemos, enfrentando cada dia como dava. Como fiquei com muita sequela nas duas pernas fui aprender a andar com aparelhos e muletas já bem maior, com uns 4 anos, na cidade, e na escola que eu cursei eu e outros ouvimos milhares de vezes "pobre do aleijadinho" e coisas assim (aliás parece que eu não tinha nome, que meu nome era "aleijadinho"...). 
Aprendi que cada dia era uma luta. Eu NÃO PODIA falhar, pois tinha um medo terrível de que não gostassem mais de mim, já que eu tinha decepcionado tanta gente com minhas pernas inúteis e minhas muletas e minha feiura e as despesas e incômodos que eu dava. Tinha que ser o melhor SEMPRE. 
Cada ano a espera pelos caríssimos aparelhos da LBA (alguém se lembra?), guardar dinheiro para muletas novas, botas sempre rebentando no barro e pedras, até construí com meus amigos um triciclo manual de 2 bicicletas velhas para não gastar os aparelhos no chão de terra, me irritava com tudo isso, chorava e rezava para um dia acordar bom... eu trabalhei de vendedor uns 5 anos da minha infância mesmo sem ser obrigado, mais para mostrar que podia... 
Seguia a vida como uma decepção para mim mesmo e para os outros, eu pensava. Eu tinha quase certeza que meus amigos só eram amigos porque tinham pena de mim, e que os adultos todos só me toleravam por pena, porque no fundo eu não valia nada mesmo.

Mas até então, por outro lado, tudo era natural e simples, o mundo era assim para mim, eu tinha ganhado uma loteria ao contrário e fim. Eu nunca me revoltei nem questionei nada que não fosse com minhas pernas inúteis.

Foi na adolescência que eu percebi que tinha muita coisa estranha, porque que na minha geração quase só tinha gente pobre com sequela de pólio, e eu comecei a me perguntar por que. Fui vendo, estudando e pensando. E percebi como sei agora que meus problemas poderiam ter sido evitados com vacina. 
Que a doença é muito mais que algo que afeta o corpo, ela afeta a sociedade inteira, e as duas pontas se encontram, aquela das pessoas lutando por seus direitos e aquela da sociedade lutando pelos seus. E aprendi que não adianta lutar de um lado só. A luta é individual, emocional, comunitária, social, política, tudo ao mesmo tempo, pois toda luta por direitos é uma luta política. Nada evolui sem união, sem que se perceba, além das conseqüências, também as CAUSAS próximas e distantes daquilo por que passamos. 
Sem isso nada vai mudar nem na pessoa nem na sociedade. 
Por isso minha mensagem nesse dia da pólio é essa, vamos além do óbvio para encontrar o escondido mais fundo, que causa nossos problemas e precisa de solução.
Sempre fui muito alegre e continuo assim. Gostaria de compartilhar a alegria que aparece na minha velha foto. Abraço todos vcs.
V. R. R. S. - texto de 2016 ampliado.

Vinicius Rodrigues de Souza

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